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C A S O T E C A
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No Brasil, as políticas públicas para a infância se estruturam essencialmente a partir de diretrizes e ações nas áreas de educação, saúde e assistência social. Os indicadores dessas políticas avaliam questões como mortalidade, nutrição, acesso à creche e aprendizagem escolar, dentre outras. No entanto, a abordagem do território onde essas crianças vivem e o papel que o espaço urbano desempenha no desenvolvimento infantil é ainda pouco explorado.
Especialistas enfatizam a importância do acesso da criança a áreas de lazer seguras, tanto quanto a postos de saúde, creches e escolas. A qualidade dos ambientes a que a criança é exposta interfere diretamente no seu desenvolvimento, entendido como a construção e aquisição de novas habilidades de forma contínua, dinâmica e progressiva para a realização de funções cada vez mais complexas. A criança precisa de diferentes espaços para brincar e fazer as próprias descobertas. E esses espaços devem ser seguros, saudáveis e protegidos para evitar a exposição à violência, a doenças e acidentes.
O meio natural também estimula a utilização total dos sentidos e a criatividade, e ainda previne doenças. Por permitir a livre movimentação, é um antídoto contra a obesidade: aqueles que crescem em contato com a natureza são mais ativos fisicamente e mais conscientes de sua alimentação, segundo artigo do Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics, de 2002. Ao exercitar a visão a longa distância e pluridimensional, também ajuda a evitar a miopia, segundo estudo da Faculdade de Ciências da Saúde, da Universidade de Sydney, na Austrália. A exposição ao sol combate a deficiência de vitamina D, favorecendo a absorção de cálcio pelo organismo.
Todos os dias, milhares de crianças transitam pela cidade e grande parte destes deslocamentos é feita a pé. Em Jundiaí (SP), uma pesquisa realizada em 2017 com 476 alunos de 6 a 10 anos, do 1° ao 5° ano do Ensino Fundamental da rede pública municipal, indicou que 65% das crianças vão a pé para a escola. Existem 44.037 crianças de 0 a 12 anos matriculadas na cidade, sendo que cerca de 30 mil estão nas 110 escolas da rede pública municipal.
As crianças brasileiras, em sua maioria, crescem em contextos urbanos: 84% da população vive hoje em cidades, de acordo com o Censo de 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Na Região Sudeste, as taxas de urbanização são ainda maiores – em Jundiaí, a taxa atual é de 96%. Esse processo de urbanização acelerado pelo qual o país passou não ocorreu sem o surgimento de graves problemas – a falta de espaços públicos para o brincar e o afastamento da criança com a natureza talvez sejam alguns dos mais sérios.
Nas médias e grandes cidades brasileiras, as ruas deixaram de ser espaços de convívio, brincadeira e contato com o meio ambiente, para se transformar em meras rotas de passagem para veículos. As crianças estão cada vez mais cercadas de concreto e vidro, restritas aos espaços internos, onde predominam as telas de televisão.
Em uma pesquisa realizada em Jundiaí, em agosto de 2017, os alunos da rede pública municipal responderam como vão à escola, com quem eles vão à escola e como é o caminho até ela. A maioria das crianças (65%) vai a pé para a escola, parte das demais crianças vai de carro (20%), de van (8%) e de ônibus (3%). Metade das crianças é acompanhada no caminho para a escola pela mãe (33%) e pelo pai (17%), além da companhia de outro adulto (18%) e dos avós (7%). Entretanto, 12% das crianças vão sozinhas para a escola, o que pode ser considerado um problema, dada sua pouca idade - de 6 a 10 anos - e observando as condições urbanísticas do percurso. Por fim, a pergunta que permitia maior grau de subjetividade para qualificar o caminho da crianças apresentou como respostas mais citadas que o caminho é feio e sujo (17%), cansativo (15%), rápido (14%) – que pode ser interpretado não apenas como curto, mas como sem atrativos, e perigoso (10%). Uma pequena parte das crianças também considerou seu caminho bonito (11%) e divertido (10%).
A Política Pública da Criança na Cidade, concebida em 2017 para o município de Jundiaí, pretende atuar nesta lacuna, integrando a dimensão urbanística à análise e orientando os planos e projetos urbanos para o desenvolvimento saudável e seguro de crianças. Ela surgiu com o objetivo de apropriar o espaço público pelas crianças e suas famílias; requalificar os espaços públicos: calçadas, ciclofaixas, praças e equipamentos de lazer, para integração de criança e natureza; aumentar a segurança viária, com prioridade para o pedestre, e uma sinalização fácil de ser entendida pela criança; e desenvolver soluções de forma coletiva, em atividades que proporcionem a escuta da criança e de suas demandas.
O Programa Criança na Cidade conseguiu reunir uma equipe formada por representantes de diversas secretarias para implementar a política pública com agilidade e coerência nos conceitos em ações voltadas às crianças. Além disso, a pauta da criança foi inserida na agenda do governo, possibilitando a abordagem do tema nas reuniões semanais das Plataformas de Governo.
Houve a Criação do Comitê das Crianças, formado por 28 crianças de 8 a 11 anos, que se reúnem uma vez por mês para discutir como melhorar a cidade. Ao final do ano, o Prefeito recebe um conjunto de ações sugeridas pelas crianças e realiza no mínimo, uma delas. Foram instituídas as Ruas de Brincar, que autoriza a restrição do acesso de veículos em ruas da cidade aos finais de semana e feriados e realizados eventos para formação de servidores públicos, em parceria com as autoras do livro Cidades para Brincar.
Na cidade, também foram realizadas um conjunto de eventos de cultura e atividades esportivas para crianças, como a Caminhada com Bebês (anual, em setembro), Domingo no Parque (mensal), criação do Coral de Crianças, apresentações teatrais, Corridas para Crianças.
A política é monitorada continuamente, sua mensuração de resultados será a próxima fase do trabalho. Além disso, o governo ganhou uma nova marca, a "Jundiaí, cidade das crianças".
O município também aderiu à Rede Latino-americana de Cidades para Crianças, sendo a 1ª cidade do Estado e a 2º no país a integrar a Rede, logo após Boa Vista (RO). A experiência de Jundiaí passou a ser citada em diversos canais, como o programa Cidad es e Soluções, da GloboNews.
Sylvia Angelini é Diretora de Urbanismo na Prefeitura de Jundiaí (SP) e trabalha atualmente na implantação da Política Pública da Criança na Cidade
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